quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Marx, Engels e o Partido Comunista - 2° parte

A Liga Comunista

A Liga Comunista foi uma continuação da Liga dos Justos. Esta última foi criada em 1836, formada por artesões alemães emigrados. O centro político da organização residia em Paris, mas foram criadas seções secretas na Alemanha. Depois de participar de uma revolta blanquista (1839), uma parte dos seus dirigentes foi aprisionada e outra teve que fugir para Londres, onde havia mais liberdade política.

Engels foi o primeiro a entrar em contato com os membros Liga dos Justos, entre 1842 e 1844, quando da sua estada na Inglaterra. Ele ficou bastante impressionado e afirmou que tinha sido os primeiros proletários revolucionários que havia conhecido. Mesmo assim, ele não se convenceu em aderir, pois suas concepções eram bastante diferentes naquele momento. A Liga ainda compartilhava algumas idéias utópicas sobre o socialismo.

No final de 1846, a direção da Liga propôs a convocação de um congresso de todas suas seções. Os principais objetivos eram a elaboração de um novo programa socialista e dos estatutos, mais adequados às suas recentes experiências. As posições teóricas e políticas de Marx e Engels haviam chamado a sua atenção. Por isso, eles foram convocados para ajudar nesse processo de reorganização.

Então, no dia 2 de junho de 1847, teve início aquele que foi o último congresso da Liga dos Justos e o primeiro da Liga dos Comunistas. Uma “carta circular” justificou a alteração do nome: "Nós nos distinguimos não por propugnar a justiça em geral (...) mas sim por repudiar o regime social existente e a propriedade privada, propugnamos a comunidade de bens, somos comunistas". A divisa também foi alterada para se adequar aos novos princípios adotados. Em lugar de "Todos os homens são irmãos" lia-se agora "Proletários de todos os países uni-vos!".

O segundo congresso da Liga iniciou-se em 29 de novembro. Marx foi eleito delegado pela região de Bruxelas e Engels pela de Paris. Foi a assembléia mais representativa do movimento operário internacional até aquele momento. Estavam presentes representantes da Alemanha, França, Inglaterra, Suíça e Bélgica. O primeiro parágrafo dos novos estatutos dizia: “O objetivo da Liga é o derrubamento da burguesia, a dominação do proletariado, a superação da velha sociedade burguesa que repousa sobre oposições de classes e a fundação de uma sociedade sem classes e sem propriedade privada”. Este era um divisor de águas em relação a todas as organizações pequeno-burguesas reformistas ou revolucionárias.

Neste conclave, Marx recebeu o encargo de elaborar o programa definitivo da organização. Ele se chamaria “Manifesto do Partido Comunista” e viria ao público em janeiro de 1848, poucos dias antes de eclosão da revolução na França que derrubou o rei Louis Felipe. Em seguida iniciou-se uma onda revolucionária que se espalhou por toda a Europa e ficou conhecida como Primavera dos Povos.

Na segunda parte do Manifesto do Partido Comunista intitulada "Proletários e Comunistas", Marx e Engels procuraram expor a dialética que envolvia a complexa relação entre o partido e a classe. Nela afirmavam: “Os comunistas não formam um partido à parte, oposto aos outros partidos operários. Não têm interesses que o separem do proletário em geral (...) Os comunistas só se distinguem dos outros partidos operários em dois pontos: 1º Nas diversas lutas nacionais dos proletários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns do proletariado, independentemente da nacionalidade; 2º Nas diferentes fases por que passa a luta entre os proletários e burgueses, representam, sempre e em toda parte, os interesses do movimento em seu conjunto”.

Praticamente, continuam “eles, os comunistas constituem a fração mais resoluta dos partidos operários de cada país, a fraca que impulsiona as demais; teoricamente tem sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreensão nítida das condições da marcha e dos fins gerais do movimento proletário”.

Neste trecho, Marx e Engels definem claramente o papel de vanguarda do Partido Comunista. Portanto, essa tese não foi uma invenção de Lênin ou dos bolcheviques russos. Segundo os dois revolucionários alemães, o Partido Comunista faz parte da classe – é um partido do proletariado -, mas, ao mesmo tempo, não se confunde integralmente com ela, pois representa sua vanguarda organizada.

Os autores do “Manifesto” buscaram, além da elaboração de uma concepção de Partido e de uma estratégica revolucionária, refletir sobre as formas de organização que este partido proletário (de vanguarda) deveria ter. Ou seja, eles buscaram, também, nos legar elementos para a construção de uma teoria da organização política proletária.

As mudanças estatutárias eram essenciais na transformação da Liga de uma seita conspirativa (blanquista) para uma verdadeira organização política revolucionária e operária com influência de massas. Para isso foram retiradas dos estatutos todas as excrescências comuns às sociedades secretas da época, como os rituais místicos de ingresso, juramentos, concentração excessiva de poderes nos líderes. O congresso anual, composto de delegados eleitos democraticamente nas comunidades e regiões, se transformou no órgão máximo da organização. As direções centrais passaram a ser eleitas nesses congressos e seus membros poderiam ser destituídos a qualquer momento pela vontade de sua comunidade. Os órgãos inferiores deveriam se subordinar aos órgãos superiores.

A Liga dos Comunistas era uma organização bastante democrática e, ao mesmo tempo, centralizada. Em muitos países ela era clandestina. Para despistar a polícia e poderem se ligar às massas, seus membros criaram associações culturais operárias legais onde puderam atuar mais abertamente. Marx e Engels abominavam a idéia de que a Liga se transformasse numa seita, isolada dos trabalhadores e da grande política.

Muito dos princípios norteadores da nova organização permaneceriam na tradição do movimento socialista: o partido do proletariado, de vanguarda, internacionalista e voltado para ruptura revolucionária com o capitalismo. Poderíamos dizer, também, que ficou a idéia de um partido democrático e centralizado.

As derrotas das revoluções populares de 1848, resultados das vacilações burguesa e pequeno-burguesa, levaram Marx e Engels a pleitear com mais força a necessidade de constituição de partidos operários realmente independentes. Na “Mensagem do Comitê Central da Liga dos Comunistas” (1850), escreveram: “A fim de estar em condições de opor-se energicamente aos democratas pequeno-burgueses, é preciso, sobretudo, que os operários estejam organizados de modo independente e centralizados através de seus clubes (...) e na primeira oportunidade, o Comitê Central (da Liga) se transferirá para a Alemanha, convocará imediatamente um Congresso, perante o qual proporá as medidas necessárias para a centralização dos clubes sob a direção de um organismo estabelecido no centro principal do movimento”.

Continuaram eles: “Ao lado dos candidatos burgueses democráticos que figurem em toda parte candidatos operários, escolhidos na medida do possível dentre os membros da Liga, e que para o seu triunfo se ponham em jogo todos os meios disponíveis. Mesmo que não exista esperança alguma de vitória, os operários devem apresentar candidatos próprios para conservar independência, fazer uma avaliação de força e demonstrar abertamente a todo mundo sua posição revolucionária e os pontos de vista do partido”.
A Liga dos Comunistas foi duramente perseguida. Contra ela, instaurou-se o processo de Colônia na Alemanha, nos quais vários dirigentes foram condenados a longos anos de prisão. Assim, não havia mais condições de mantê-la funcionando e, em 1852, foi dissolvida. Marx afirmou: “a Liga dissolveu-se, por minha iniciativa, declarando que a sua continuação (...) já não corresponde à situação vigente.”

A Associação Internacional dos Trabalhadores

Após a crise e fechamento da Liga dos Comunistas, houve um momentâneo desânimo de Marx e Engels em relação às possibilidades da constituição de um Partido Comunista. Foram desse curto período as frases mais desconcertantes expressas em cartas por esses dois personagens. Marx, por exemplo, escreveu ao poeta Freiligrath: “nunca voltarei a pertencer a nenhuma sociedade, secreta ou pública”. Mas, logo sentiriam a necessidade de “recrutar nosso partido”. A Liga dos Comunistas, para eles, havia sido apenas “um episódio na história do Partido, que em toda parte cresce espontaneamente do solo da sociedade moderna”.

No final da década de 1850, o movimento operário da Europa e dos Estados Unidos começou a recobrar fôlego. Organizaram-se novos sindicatos e realizaram-se grandes greves por aumento de salários, redução de jornada e por direitos sociais. A própria composição da classe operária começou a se modificar: aumentou o número dos operários empregados na grande indústria.

Fruto desse processo, em 28 de setembro de 1864, formou-se a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Escreveu Johnstone: “A formação da 1ª Internacional em 1864 deu a Marx (e mais tarde Engels) a oportunidade de romper com seu relativo isolamento e integrar-se ao movimento operário da Europa Ocidental, que então renascia numa escala muito mais ampla que seu predecessor continental da década de 1840.”

Como ocorreu em 1847, Marx e Engels foram chamados para ajudar na elaboração do programa e dos estatutos da nova organização operária. A tarefa seria muito mais difícil, pois desta Internacional participavam os trade-unionistas britânicos, os proudhonianos franceses, os lassalianos alemães, os bakuninistas (anarquistas) e outras correntes não-marxistas. Nela ainda podiam se filiar sindicatos, cooperativas de consumo e produção, associações políticas (secretas ou públicas) e personalidades avulsas. Portanto, ao contrário da Liga dos Comunistas, seria difícil pensá-la como um partido unificado política e ideologicamente.

Marx elaborou os documentos fundacionais, como o “preâmbulo aos estatutos” e a “Mensagem Inaugural”. Ele teve que ter grande habilidade para contentar todas as correntes participantes, sem cair no ecletismo ou retroceder significativamente sobre o terreno teórico já conquistado com o Manifesto Comunista de 1848. Neles estava presente a idéia chave: “conquistar o poder político tornou-se o grande dever das classes operárias”. No preâmbulo estampava a frase “A emancipação da classe operária tem que ser conquistada pela própria classe operária”.

Os estatutos, seguindo o modelo da Liga, previam congressos anuais como instâncias máximas que deveriam eleger um Conselho Central. Criou-se também um pequeno órgão executivo chamado Comitê Dirigente, com cerca de 10 pessoas. Marx mesmo impossibilitado de estar no Congresso, foi indicado para este comitê por ser secretário da sessão alemã. Como afirmou Lênin, a partir de então ele seria a alma da Internacional. Muitas das reuniões da direção central eram realizadas em sua casa. A história da Liga e da I Internacional comprova quão falsa são as teses que afirmam que Marx jamais se envolveu em trabalhos de direção concreta de uma organização partidária.

Na Conferência de Londres (1865) Marx e Engels derrotaram os proudhonianos franceses que queriam acabar com o princípio da representação, defendendo que todos os operários presentes aos congressos deveriam votar e que a Internacional não tratasse da luta de libertação travada pelos poloneses por ser um assunto estritamente político que nada tinha a ver com um congresso estritamente operário. Para contribuir com o debate, Engels escreveu uma série de artigos intitulados “O que tem a classe operária a ver com a Polônia?”. O internacionalismo proletário seria um princípio irrevogável para os comunistas.

Mas a grande batalha de Marx e Engels dentro da Internacional ainda estaria por vir. Em 1868 o anarquista russo Bakunin fundou a Aliança Internacional da Democracia Socialista e solicitou o seu ingresso na AIT. Marx e Engels propuseram que a direção não aceitasse tal proposta por tratar-se de outra organização internacional e com outros princípios políticos e organizativos. Bakunin manobrou, dissolveu formalmente a Aliança e solicitou que as organizações regionais se filiassem à AIT. Na prática, a Aliança bakuninista passou a funcionar clandestinamente dentro da Internacional comprometendo sua unidade.

Sentindo-se mais a vontade e ganhando a confiança da maioria dos membros da AIT, Marx e Engels deram novos passos à frente quer quanto ao programa quer quanto à organização. Na Conferência de Londres (1871) aprovaram uma resolução “sobre a atividade política da classe operária” na qual se afirmava: “contra o poder coletivo das classes proprietárias, o proletariado só pode atuar como classe constituindo-se em partido político distinto, oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes proprietárias” e que “esta aglutinação do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e de seu objetivo supremo: a abolição das classes”. Engels, resumindo a resolução, escreveu: “ela meramente demanda a formação, em todos os países, um partido independente da classe operária, oposto a todos os partidos da classe média”.

As organizações regionais sob direção dos anarquistas se recusaram a aceitar as decisões de uma conferência. Em 1872, o Conselho Geral denunciou as manobras anarquistas contra a Internacional. Marx, Engels e Lafarge escreveram o folheto “As pretensas divergências na Internacional” e se prepararam para o combate que se daria no congresso que se aproximava. Pela primeira vez os dois amigos participariam juntos de um evento como esse. Marx escreveria, “neste congresso tratar-se-á da vida ou da morte da Internacional”.

Este seria o encontro internacional mais representativo do movimento operário socialista até então. Ali estavam presentes setenta e cinco delegados, representando quinze países. Em Haya, como esperado, os anarquistas pediram a dissolução do Conselho Geral e de toda autoridade no interior da AIT. Mas, o congresso ratificou todas as decisões de Londres. A resolução final destacou: “A constituição da classe operária em partido político é indispensável para assegurar o trunfo da revolução social e do seu fim supremo: a abolição das classes (...) A conquista do poder político torna-se o grande dever do proletariado”. Diante dos sucessivos atos divisionistas promovidos pelos anarquistas, fartamente documentados, decidiu-se pela expulsão de Bakunin e seus camaradas.

O massacre da heróica experiência da Comuna de Paris (1871) representou um duro golpe contra a Associação Internacional dos Trabalhadores, apesar dela ter tido um papel relativamente pequeno na sua eclosão e direção. Como ocorreu após as derrotas das revoluções de 1848, o mundo entrou numa fase de avanço das correntes reacionárias.

Visando proteger a Internacional da contra-revolução e das influências blanquistas (e anarquistas) que cresciam, Marx e Engels propuseram a sua transferência para Nova Iorque. Alguns anos depois, em 1876, a Conferência de Filadélfia decidiu pela sua dissolução. A situação era desfavorável à existência de uma organização socialista internacional daquele tipo.

Em setembro de 1873, Marx havia escrito: “Segundo minha visão das condições européias, é inteiramente útil fazer agora passar a organização formal da Internacional para um segundo plano”. Dois anos depois repetiria a mesma idéia: “A atividade internacional da classe operária não depende de maneira alguma da existência da Associação Internacional dos Trabalhadores. Esta foi apenas a primeira tentativa de criar um órgão central para aquela atividade; uma tentativa que, pelo impulso que deu, teve conseqüências duradouras, mas que, na sua primeira forma histórica, não era prolongável mais tempo após a queda da Comuna de Paris”.

Marx e Engels chegaram à conclusão de que a existência da Internacional poderia se constituir num obstáculo à formação de poderosos partidos operários nos marcos dos principais países capitalistas. Isso contradiz uma tese muito difundida que afirma ser a Internacional uma forma de organização necessária em toda e qualquer conjuntura, sendo quase uma questão de princípio para os comunistas. Isso não é verdadeiro.
Em algumas fases do movimento comunista, de instrumento impulsionador da luta e da organização proletária ela se transformou num entrave. O que é um princípio irremovível para os marxistas revolucionários é o internacionalismo proletário e não as internacionais.

Nota:
Esta é a segunda parte do texto “Marx, Engels e o Partido Proletário”, que serviu de subsídio para elaboração do roteiro das aulas sobre as internacionais e o partido comunista, ministradas no Encontro Nacional da Escola do PCdoB em janeiro de 2009. O artigo-ensaio foi dividido em três partes.

*Augusto Buonicore, Historiador, mestre em ciência política pela Unicamp

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Ex-diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e ex-presidente da União da Juventude Socialista (UJS) de Alagoas. Atual militante e presidente do Comitê Municipal de Maceió do Partido Comunista do Brasil, PCdoB.
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