quinta-feira, 6 de maio de 2010

Renda mínima para a juventude - por Ismael Cardoso

Reproduzo aqui a primeira parte de excelente artigo do ex-presidente da UBES, Ismael Cardoso, publicado no sitio do José Dirceu onde ele faz uma brilhante análise sobre um plano para juventude na execução do Projeto Nacional de Desenvolvimento, como ele mesmo diz “não há projeto nacional de juventude sem projeto nacional de desenvolvimento”.



A juventude tem se tornado tema central para a construção de uma nação forte, porém, devemos admitir que apesar dos valorosos esforços feitos até aqui, pouco se realizou de grandioso para efetividade de um projeto nacional da juventude, que a qualifique e acompanhe sua transição da escola/universidade para o mercado de trabalho. Outro aspecto importante que devemos sempre lembrar é que não existe projeto juvenil que qualifique e incentive o ingresso no mercado de trabalho deslocado do aumento de vagas no mercado em geral, portanto, não há projeto nacional de juventude sem projeto nacional de desenvolvimento.

Pesquisas dizem que a marginalidade não está ligada somente ao ganho fácil de recursos, mas ao poder de ser uma referência em sua comunidade, é quase dizer “eu existo!”, já que a falta de perspectiva que experimentamos principalmente na década de 90 nos excluiu – e ainda exclui – de qualquer bem estar social. Porém, este poder marginal torna-se muito menos sedutor se pudermos elevar a escolaridade dos jovens e dar-lhes trabalho, condições materiais para que possam fazer aquilo que gostam. Esse é nosso desafio, lançaremos aqui em dois pequenos textos, dados e fatos históricos para a defesa de uma tese polêmica, elaborada pelo professor Márcio Pochman (Pres. do IPEA): a de adiar a entrada do jovem no mercado de trabalho.

Juventude, um conceito em permanente mudança

Ao longo dos séculos, a humanidade se defronta com um problema fundamental: como intervir na natureza para dela retirar os meios necessários à sobrevivência e ter tempo para o gozo das coisas boas, como família, lazer etc. No capitalismo a maior parte das pessoas precisa vender sua força de trabalho para sobreviver - digo sobreviver e não viver bem que é muito diferente. Não necessariamente o que um trabalhador produz é dele ou pode ser por ele comprado, esta relação tensa entre produção coletiva das riquezas e apropriação privada das mesmas caracteriza o capitalismo e a luta de classes.

No passado, nas sociedades agrárias, as pessoas começavam a trabalhar muito precocemente, era normal crianças com 5 e 6 anos de idade trabalharem muitas horas. Além disso, trabalhava-se de 16 a 18 horas por dia, 112 horas semanais durante quase todos os 365 dias do ano, o que dava uma jornada de trabalho anual de 4 mil horas. A conseqüência natural é que a expectativa de vida ficava abaixo dos 40 anos, portanto, o trabalho consumia mais de 70% da vida humana. Se para nós hoje uma pessoa de 25 anos é considerada jovem, a cerca de 200 anos atrás era velha, já que não passaria dos 35 a 40 anos de idade.

Na sociedade industrial, principalmente nos últimos cem anos, as coisas mudaram bastante. Graças às lutas dos trabalhadores foram criadas diversas leis de proteção ao trabalhador e serviços públicos, não se trabalha mais até morrer e não se pode trabalhar como adulto antes dos 15 anos. O Estado foi obrigado a financiar a inatividade dos que precisam se dedicar ao estudo até os 15 anos de idade e dos que precisam descansar a partir dos 65 anos. Simultaneamente a estas leis de proteção, a jornada de trabalho diminuiu consideravelmente, hoje trabalhamos 44 horas por semana com direito a férias e feriados, 276 dias por ano ou 2 mil horas por ano, 45% do tempo de vida.

A expectativa de vida passa dos 70 anos no Brasil e em vários países passa dos 80 anos, é possível que em algumas décadas o mundo alcance uma expectativa de vida de 100 anos, portanto, em muitos países já se abandonou o conceito de juventude de 14 a 25 anos, uma pessoa com até 35 anos pode ser considerada jovem. Em síntese, este conceito é mutável e está ligado diretamente à expectativa de vida das pessoas.

Vivemos uma transição da sociedade industrial para a chamada sociedade do conhecimento, construímos tecnologias suficientes para reduzir ainda mais o tempo de trabalho humano por sua sobrevivência. Portanto, não é absurdo falar em 25 horas semanais de trabalho, durante 200 dias do ano, consumindo apenas mil horas anuais e, mais ainda, adiar a entrada dos jovens até 25 anos no mercado de trabalho, financiando sua inatividade para que se dediquem exclusivamente ao estudo e façam uma correta transição dos estudos para o trabalho, ocupando de maneira mais qualificada os postos de trabalho.

Educação e trabalho

A luta pela sobrevivência tem obrigado milhares de jovem a se lançarem no mercado de trabalho sem a menor formação e pior, ao começar a trabalhar, a maioria para de estudar por não conseguir acompanhar as duas coisas. No Brasil, cerca de 5,7 milhões de jovens entre 14 e 17 anos estão fora do ensino médio, isso é mais da metade dos jovens nesta faixa etária. Temos hoje cerca de 20 milhões de brasileiros que não completaram o ensino médio. Já quanto ao analfabetismo funcional, ou seja, jovens entre 15 e 24 anos com menos de 4 anos de estudos, chega-se a 22%  - no Nordeste este número atinge 40%. As barreiras educacionais são tão grandes que a cada dez jovens somente seis estudam neste momento no Brasil. Apenas 13% dos jovens entre 20 e 24 anos estão na universidade, enquanto que nas economias mais avançadas esta taxa é três vezes maior.

Outra barreira que nos desafia é o analfabetismo tecnológico e estes não estão ligados somente a indicadores escolares, aqui devemos valorizar o esforço do governo brasileiro em retomar o papel da Telebrás com o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), tão atacado pela mídia por conta de seus interesses, de suas relações promíscuas com as operadoras de telefonia.

Agora, vejam que a postergação da entrada no mercado de trabalho até o 25 anos já existe para as famílias de classe média e ricas. A cada dez jovens da classe média apenas três trabalham e estudam, mas estes últimos só começam a trabalhar a partir dos vinte anos, até esta idade dedicam-se exclusivamente ao estudo, não somente o formal, mas fazem vários tipos de cursos, como línguas e informática. Já nas famílias pobres, a relação é inversa: para cada dez jovens pobres no Brasil sete trabalham e começam antes mesmo de completar os 18 anos e, destes sete, a metade abandona a escola.

É uma crueldade o que faz o nosso sistema educacional. Ele produz e reproduz a desigualdade gerando um ciclo vicioso perverso, o jovem rico estuda até os 25 anos e isto lhe ajuda a ocupar os postos mais qualificados no mercado de trabalho, o jovem pobre em nome da sobrevivência começa a trabalhar mais cedo, naturalmente por não ter algum tipo de formação, aceita o trabalho que lhe é oferecido, com baixos salários, com uma alta jornada de trabalho e total precariedade. Com isso, ele não tem tempo, muito menos dinheiro, para se formar.

A conseqüência é evidente para todos, ele continuará pelo resto de sua vida a ocupar posições precarizadas no mundo do trabalho. Esta é a famosa dualidade educacional: uma educação para os ricos pretensos dirigentes do futuro e, outra educação para os pobres os dirigidos.


No próximo texto apresentarei três ações para a construção de um plano nacional de juventude.

Ismael de Almeida Cardoso foi presidente da UBES e é membro da direção nacional da UJS.

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Ex-diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e ex-presidente da União da Juventude Socialista (UJS) de Alagoas. Atual militante e presidente do Comitê Municipal de Maceió do Partido Comunista do Brasil, PCdoB.
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