sábado, 8 de outubro de 2011
A coisa mais importante do mundo
21:22
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A intelectual e ativista canadense fez um
discurso histórico à Assembleia Geral do movimento Ocupar Wall Street.
Por Naomi Klein
Tradução e nota
introdutória de Idelber Avelar
Naomi Klein é hoje uma das principais intelectuais
e militantes anticapitalistas do planeta. Jovem (nasceu em 1970), apaixonada,
corajosa, de brilhante trânsito por uma série de disciplinas e potente domínio
da retórica, ela já se destacara como figura central nos protestos de 1999
contra a financeirização do mundo. Em 2000, lançou No
Logo, uma crítica das multinacionais e do seu uso do trabalho
escravo. Mas foi seu terceiro livro, A
Doutrina do Choque: A Ascensão do Capitalismo do Desastre, que a
elevou à condição de uma das principais intelectuais de esquerda do mundo. Com
capítulos sobre os EUA, a Inglaterra de Thatcher, o Chile de Pinochet, o Iraque
pós-invasão, a África do Sul, a Polônia, a Rússia e os tigres asiáticos, Klein demonstra
como o capitalismo contemporâneo funciona à base da produção de desgraças,
apropriando-se delas para o contínuo saqueio e privatização da riqueza pública.
De família judia, Klein participou, em 2009, durante o massacre israelense a
Gaza, da campanha “Desinvestimento, Sanções e Boicote” (BDS) contra Israel. Num
discurso em Ramalá, pediu perdão aos palestinos por não ter se juntado antes à
campanha BDS.
Nesta quinta-feira, 06 de
outubro, Naomi Klein compareceu, convidada, à Assembleia Geral de Nova York. A
amplificação foi banida pela polícia. Não havia microfones. Num inesquecível
gesto, a multidão mais próxima a Klein repetia suas frases, para que os mais
distantes pudessem ouvir e, por sua vez, repeti-las também. Era o
"microfone humano". O memorável discurso de Klein foi assistido por
dezenas de milhares de pessoas via internet. A Fórum publica o texto em
português em primeira mão. É um comovente documento da luta de nosso tempo.
***********************************************
Eu amo
vocês.
E eu não
digo isso só para que centenas de pessoas gritem de volta “eu também te amo”,
apesar de que isso é, obviamente, um bônus do microfone humano. Diga aos outros
o que você gostaria que eles dissessem a você, só que bem mais alto.
Ontem, um
dos oradores na manifestação dos trabalhadores disse: “Nós nos encontramos uns
aos outros”. Esse sentimento captura a beleza do que está sendo criado aqui. Um
espaço aberto (e uma ideia tão grande que não pode ser contida por espaço
nenhum) para que todas as pessoas que querem um mundo melhor se encontrem umas
às outras. Sentimos muita gratidão.
Se há uma
coisa que sei, é que o 1% adora uma crise. Quando as pessoas estão desesperadas
e em pânico, e ninguém parece saber o que fazer: eis aí o momento ideal para
nos empurrar goela abaixo a lista de políticas pró-corporações: privatizar a
educação e a seguridade social, cortar os serviços públicos, livrar-se dos
últimos controles sobre o poder corporativo. Com a crise econômica, isso está
acontecendo no mundo todo.
Só existe
uma coisa que pode bloquear essa tática e, felizmente, é algo bastante grande:
os 99%. Esses 99% estão tomando as ruas, de Madison a Madri, para dizer: “Não.
Nós não vamos pagar pela sua crise”.
Esse slogan
começou na Itália em 2008. Ricocheteou para Grécia, França, Irlanda e
finalmente chegou a esta milha quadrada onde a crise começou.
“Por que
eles estão protestando?”, perguntam-se os confusos comentaristas da TV.
Enquanto isso, o mundo pergunta: “por que vocês demoraram tanto? A gente estava
querendo saber quando vocês iam aparecer.” E, acima de tudo, o mundo diz:
“bem-vindos”.
Muitos já
estabeleceram paralelos entre o Ocupar Wall Street e os assim chamados protestos
anti-globalização que conquistaram a atenção do mundo em Seattle, em 1999. Foi
a última vez que um movimento descentralizado, global e juvenil fez mira direta
no poder das corporações. Tenho orgulho de ter sido parte do que chamamos “o
movimento dos movimentos”.
Mas também
há diferenças importantes. Por exemplo, nós escolhemos as cúpulas como alvos: a
Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o G-8. As
cúpulas são transitórias por natureza, só duram uma semana. Isso fazia com que
nós fôssemos transitórios também. Aparecíamos, éramos manchete no mundo todo,
depois desaparecíamos. E na histeria hiper-patriótica e nacionalista que se
seguiu aos ataques de 11 de setembro, foi fácil nos varrer completamente, pelo
menos na América do Norte.
O Ocupar
Wall Street, por outro lado, escolheu um alvo fixo. E vocês não estabeleceram
nenhuma data final para sua presença aqui. Isso é sábio. Só quando permanecemos
podemos assentar raízes. Isso é fundamental. É um fato da era da informação que
muitos movimentos surgem como lindas flores e morrem rapidamente. E isso ocorre
porque eles não têm raízes. Não têm planos de longo prazo para se sustentar.
Quando vem a tempestade, eles são alagados.
Ser
horizontal e democrático é maravilhoso. Mas esses princípios são compatíveis
com o trabalho duro de construir e instituições que sejam sólidas o suficiente
para aguentar as tempestades que virão. Tenho muita fé que isso acontecerá.
Há outra
coisa que este movimento está fazendo certo. Vocês se comprometeram com a
não-violência. Vocês se recusaram a entregar à mídia as imagens de vitrines
quebradas e brigas de rua que ela, mídia, tão desesperadamente deseja. E essa
tremenda disciplina significou, uma e outra vez, que a história foi a
brutalidade desgraçada e gratuita da polícia, da qual vimos mais exemplos na
noite passada. Enquanto isso, o apoio a este movimento só cresce. Mais
sabedoria.
Mas a
grande diferença que uma década faz é que, em 1999, encarávamos o capitalismo
no cume de um boom econômico alucinado. O desemprego era baixo, as ações
subiam. A mídia estava bêbada com o dinheiro fácil. Naquela época, tudo era
empreendimento, não fechamento.
Nós
apontávamos que a desregulamentação por trás da loucura cobraria um preço. Que
ela danificava os padrões laborais. Que ela danificava os padrões ambientais.
Que as corporações eram mais fortes que os governos e que isso danificava
nossas democracias. Mas, para ser honesta com vocês, enquanto os bons tempos
estavam rolando, a luta contra um sistema econômico baseado na ganância era
algo difícil de se vender, pelo menos nos países ricos.
Dez anos
depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente
que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao
redor do mundo.
A questão é
que hoje todos são capazes de ver que o sistema é profundamente injusto e está
cada vez mais fora de controle. A cobiça sem limites detona a economia global.
E está detonando o mundo natural também. Estamos sobrepescando nos nossos
oceanos, poluindo nossas águas com fraturas hidráulicas e perfuração profunda,
adotando as formas mais sujas de energia do planeta, como as areias betuminosas
de Alberta. A atmosfera não dá conta de absorver a quantidade de carbono que
lançamos nela, o que cria um aquecimento perigoso. A nova normalidade são os
desastres em série: econômicos e ecológicos.
Estes são
os fatos da realidade. Eles são tão nítidos, tão óbvios, que é muito mais fácil
conectar-se com o público agora do que era em 1999, e daí construir o movimento
rapidamente.
Sabemos, ou
pelo menos pressentimos, que o mundo está de cabeça para baixo: nós nos
comportamos como se o finito – os combustíveis fósseis e o espaço atmosférico
que absorve suas emissões – não tivesse fim. E nos comportamos como se existissem
limites inamovíveis e estritos para o que é, na realidade, abundante – os
recursos financeiros para construir o tipo de sociedade de que precisamos.
A tarefa de
nosso tempo é dar a volta nesse parafuso: apresentar o desafio à falsa tese da
escassez. Insistir que temos como construir uma sociedade decente, inclusiva –
e ao mesmo tempo respeitar os limites do que a Terra consegue aguentar.
A mudança
climática significa que temos um prazo para fazer isso. Desta vez nosso
movimento não pode se distrair, se dividir, se queimar ou ser levado pelos
acontecimentos. Desta vez temos que dar certo. E não estou falando de regular
os bancos e taxar os ricos, embora isso seja importante.
Estou
falando de mudar os valores que governam nossa sociedade. Essa mudança é difícil
de encaixar numa única reivindicação digerível para a mídia, e é difícil
descobrir como realizá-la. Mas ela não é menos urgente por ser difícil.
É isso o
que vejo acontecendo nesta praça. Na forma em que vocês se alimentam uns aos
outros, se aquecem uns aos outros, compartilham informação livremente e
fornecem assistência médica, aulas de meditação e treinamento na militância. O
meu cartaz favorito aqui é o que diz “eu me importo com você”. Numa cultura que
treina as pessoas para que evitem o olhar das outras, para dizer “deixe que
morram”, esse cartaz é uma afirmação profundamente radical.
Algumas
ideias finais. Nesta grande luta, eis aqui algumas coisas que não importam:
Nossas
roupas.
Se
apertamos as mãos ou fazemos sinais de paz.
Se podemos
encaixar nossos sonhos de um mundo melhor numa manchete da mídia.
E eis aqui
algumas coisas que, sim, importam:
Nossa
coragem.
Nossa
bússola moral.
Como
tratamos uns aos outros.
Estamos
encarando uma luta contra as forças econômicas e políticas mais poderosas do
planeta. Isso é assustador. E na medida em que este movimento crescer, de força
em força, ficará mais assustador. Estejam sempre conscientes de que haverá a
tentação de adotar alvos menores – como, digamos, a pessoa sentada ao seu lado nesta
reunião. Afinal de contas, essa será uma batalha mais fácil de ser vencida.
Não cedam a
essa tentação. Não estou dizendo que vocês não devam apontar quando o outro
fizer algo errado. Mas, desta vez, vamos nos tratar uns aos outros como pessoas
que planejam trabalhar lado a lado durante muitos anos. Porque a tarefa que se
apresenta para nós exige nada menos que isso.
Tratemos
este momento lindo como a coisa mais importante do mundo. Porque ele é. De
verdade, ele é. Mesmo.
Fonte: Revista Fórum
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- Naldo
- Ex-diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e ex-presidente da União da Juventude Socialista (UJS) de Alagoas. Atual militante e presidente do Comitê Municipal de Maceió do Partido Comunista do Brasil, PCdoB.
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