sábado, 31 de março de 2012
O Brics e a necessidade de uma nova ordem mundial
19:36
|
*Por
Umberto Martins
Comentaristas da nossa malfadada mídia burguesa,
ainda fascinadas pelos encantos de um império em decadência, não se cansam de
sublinhar as contradições econômicas e políticas entre os países que compõem o
Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para sustentar que o grupo
não tem unidade nem sentido objetivo para existir. Seria “muito mais uma sigla
do que um grupo de países com amplos interesses comuns”, como sugere o
articulista do "Estadão" Rolf Kuntz.
É fato que os Brics surgiram como um acrônimo
criado em 2011 pelo economista Jim O´Neill, chefe de pesquisa em economia
global do grupo financeiro Goldman Sachs, num artigo em que reflete sobre as
potencialidades de desenvolvimento de quatro países com grande território e
população (Brasil, Rússia, Índia e China, a África do Sul foi incluída mais
tarde). Sua transformação em grupo econômico com interesses próprios e convergentes
é obra de uma sábia engenharia política que envolve Pequim, Brasília, Moscou,
Nova Délhi e Pretória.
Viúvas do neoliberalismo
As contradições apontadas pelos ideólogos e políticos conservadores, que se
opõem à política externa do governo Dilma e morrem de saudades da diplomacia
dos pés descalços de FHC, são reais. Não é difícil perceber, por exemplo,
conflitos de interesses no comércio exterior decorrentes da feroz concorrência
no setor industrial ou divergências de opinião em relação ao Conselho de
Segurança da ONU.
Sabe-se que nem tudo são flores nas relações entre as nações. Estas geralmente
obedecem ao mandamento dialético de unidade e luta. Além disto, enquanto
prevalecer o capitalismo o caminho do comércio, das finanças e da geopolítica
estará sempre minado por infinitas contradições, especialmente em tempo de
crise, e mesmo as guerras são inevitáveis.
Mas os fatos revelam que também existem fortes interesses convergentes entre as
cinco nações que justificam a unidade dos Brics e explicam sua crescente
projeção como grupo político em contraposição (a cada dia mais nítida e aberta)
ao decrépito G7. São coisas que as viúvas do neoliberalismo não querem
enxergar. A corrente comercial no interior do bloco, responsável hoje por mais
de 50% do crescimento mundial, saltou “de US$ 27 bilhões em 2002 para estimados
US$ 250 bilhões em 2011", conforme notou a presidente Dilma Rousseff.
Uma ordem obsoleta
O interesse maior do grupo, que vai ficando mais claro na medida em que a
história avança, consiste precisamente na necessidade de mudança da presente
ordem mundial, que se fundamenta em uma realidade econômica ultrapassada, fruto
de uma correlação de forças que caducou em função do desenvolvimento desigual
das nações.
Tal ordem, ancorada na hegemonia dos EUA e na liderança do dólar, foi desenhada
nos acordos entre potências capitalistas firmados na cidade estadunidense de
Bretton Woods em 1944, num momento em que a Segunda Guerra Mundial chegava ao
fim. A força da economia dos EUA era avassaladora na ocasião e sua liderança no
mundo capitalista incontestável e desejada por aliados em pânico com a expansão
do socialismo soviético no leste europeu.
O cenário econômico internacional sofreu profundas mudanças ao longo das
últimas décadas, com o declínio do poderio econômico relativo dos Estados
Unidos, Europa e Japão, e a ascensão espetacular da China (maior exportadora do
mundo e grande investidora e credora mundial) e, em segundo plano, outros
países considerados “emergentes”.
Crise mundial
A crise mundial do capitalismo, iniciada no final de 2007 e ainda hoje em
curso, aprofundou o processo de desenvolvimento desigual, reforçando o
deslocamento da produção industrial do Ocidente para o Oriente e a necessidade
objetiva de uma nova ordem internacional, que já não é meramente teórica e
ganha corpo e concretude nas reuniões do Brics.
As bases econômicas da hegemonia imperialista dos EUA ruíram, de modo que a
velha e caduca ordem proveniente de Bretton Woods é sustentada hoje pela
hegemonia ideológica, assegurada pelos monopólios midiáticos, e pela supremacia
militar dos EUA e da Otan, que por enquanto é incontestável. A crise, a
instabilidade financeira e monetária, o tsunami monetário e o caos fiscal nos
países ricos, sobretudo na União Europeia, são sinais inequívocos de falência.
Unidade contra os “ricos”
Realçar as divergências e os conflitos reais ou imaginários no interior do
Brics é hoje um osso de ofício da ideologia dominante e reflete especialmente
os interesses dos EUA e do G7 em conservar a atual ordem e suas instituições.
A última (quarta) reunião dos Brics, realizada na Índia, avançou nesta direção
ao propor iniciativas que apontam para o fim da hegemonia do dólar como moeda
mundial, com acordos que preconizam relações comerciais e financeiras baseadas
nas moedas dos países que compõem o grupo, a criação de um banco de
desenvolvimento (em contraposição ao Banco Mundial), a revisão do sistema de
cotas do FMI e Bird e a condenação dos desequilíbrios globais engendrados pela
política econômica dos “países ricos”, com destaque para o tsunami monetário
criticado por Dilma.
Ao lado do crescimento das relações econômicas, a necessidade de transição a
uma nova ordem mundial explica e justifica a unidade do grupo originado por um
acrônimo que começou a ganhar forma, identidade e realidade política em 2009,
quando realizou sua primeira reunião na cidade russa de Ekaterinburgo. O jogo
mal começou.
*é jornalista
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- Naldo
- Ex-diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e ex-presidente da União da Juventude Socialista (UJS) de Alagoas. Atual militante e presidente do Comitê Municipal de Maceió do Partido Comunista do Brasil, PCdoB.
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