segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
O yuan e a sua conversão em moeda de reserva
00:10
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Por Oscar Ugarteche y Jorge Arturo Luna*
Os primeiros dias de 2016 chegaram acompanhados de sérios problemas nas
bolsas. Entre os problemas referem-se a China e o mercado de Xangai. Para
um leitor que leia os jornais anglo-saxónicos e desconhece quando e como
abriu o mercado de Xangai, sobretudo as razões que o determinaram, não está
claro se o que se está a passar é um colapso da economia do país ou uma
guerra cambial em que a China decidiu enfraquecer o dólar. Na verdade, a
China cresce a uma taxa de 6,9%, as taxas mais altas do mundo, seguida pela
Bolívia, e está a iniciar o jogo nas primeiras ligas, começando por
internacionalizar o yuan.
Com este objectivo, desde 2009 que se abriram um pouco por todo o mundo
pequenas janelas que operam em yuans. Citemos o Conselho do Atlântico: «A
internacionalização de divisas importantes tende a fazer um caminho evolutivo
no qual uma moeda começa por ser simplesmente um instrumento de
facturação e de comércio, passando a um meio de investimento e, mais cedo
ou mais tarde a componente das reservas dos bancos centrais» [1]. Assim, o
que se seguiu ao escalão de moeda de comércio foi a transformação em meio
de investimento, através da liberalização do yuan no mercado off-shore. Como
moeda de comércio o yuan passou de 7% do comércio asiático com a China
em 2012 a 37% em 2015, segundo SWIFT. É utilizado em 37% dos
pagamentos comerciais desde os EUA e 33% a partir da Europa. É a segunda
moeda mais usada em financiamento do comércio e a quinta no financiamento
do investimento em 2015. Sessenta bancos centrais já têm o reminbi [N.T.:
moeda chinesa internacional] nas suas reservas internacionais.
O yuan é uma moeda com câmbio controlado, de modo que estabelecer um
mercado livre off-shore é abrir um mercado paralelo. Desde 2007 que que a
faixa de de variação era de 1% tendo passado a 2% a partir de 2012. O
mercado off-shore é um mercado livre, e os investidores internacionais podem
actuar no mercado de futuros sem faixas de variação. Isto abre a possibilidade
de operações de arbitragem entre ambos os mercados, o interno e o off-shore.
O maior mercado de yuans é o de Hong Kong e o mercado mais significativo é
o de Londres, sede do Euromercado e das principais moedas do mundo. A
Bolsa de Valores de Londres é a referência obrigatória do mercado cambial
mundial, agora que as moedas se cotizam como as commodities. Para que
uma moeda seja classificada como de reserva mundial deve desaparecer toda
a forma de controlo cambial sobre ela e ter apenas uma só cotização no
mercado internacional. Mas o yuan tem até agora um mercado controlado.
Os estrangeiros que actuam no mercado cambial chinês são quinhentas
empresas registadas como Qualified Foreign Institutional Investors (QFIIs), mas
desde Novembro de 2014 que também se pode operar através de Hong Kong,
no que se chama Shangai-Hong Kong Stock Connect, que permite o recurso a
brockers locais para operações no outro mercado de pagamentos em moeda
nacional. Isto abre uma janela para que os operadores externos entrem no
mercado chinês até um montante de U$D 48.660 milhões anuais.
A abertura da bolsa de Xangai à bolsa de Hong Kong e a investidores mundiais
em Novembro de 2014 teve um impacto imediato no curso do índice de
capitalização. Proporcionou-se a bolha mais rapidamente observada numa
bolsa de valores do mundo. Entre 7 de Novembro de 2014 e 12 de Junho de
2015 o índice CSI passou de 2.502 a 5.335, dia em que a bolha «rebentou».
Esta mais do que duplicação do índice (113% de aumento) e a sua
comemoração pela imprensa ocidental, rapidamente se transformou nas
metáforas sobre a economia chinesa quando a imprensa ocidental a começou
a tratar como se fosse a Bolsa de Nova Iorque ou de Londres, cujos
indicadores também hoje em dia não dizem nada sobre a marcha
macroeconómica dos seus países (Ver Gráfico 1).
Na semana de 15 de Junho, quando Yellen, presidente do FED (Banco Central
estadunidense) devia dizer se a taxa de juro subiria ou não, o índice CSI300
caiu de 5.335 para 4.637 a 19 de Junho e para 3.663 em 8 de Julho. Em
menos de um mês o índice CSI300 de Xangai perdeu 31% do seu valor mais
elevado. Um mês mais tarde, a 24 de Agosto tinha baixado 8%, no total tinha
perdido 38% do seu valor em Junho. Esta variação é claramente especulativa
pela velocidade da retirada.
A pergunta a fazer é: quem apostou que era uma bolha e que a bolsa não
aguentaria aquele índice? A resposta é quem apostou na queda foi o mesmo
que entrou logo na abertura da bolsa e criou uma bolha com a injecção num
pequeno mercado de um significativo montante de dinheiro. Quem o fez fê-lo a
partir do dólar e assegurou-se que a queda da bolsa seria acompanhada da
retirada de dólares da economia chinesa (on-shore), apostando contra o yuan
(off-shore). O câmbio do yuan sofreu uma desvalorização de 6,20 a 6,40 yuans
por dólar. O ataque contra a bolsa reflectiu-se, simultaneamente, num ataque à
taxa de câmbio (ver Gráfico 2). O custo para o Banco Popular da China foi de
94.000 milhões de dólares segundo o Financial Times (7 de Setembro de 2015,
1,44pm, «China´s foreign exchange reserves fall by record $94bn»).
Existem quatro fundos de cobertura nova-iorquinos que fazem estas operações
em yuans: ESG do Carlyle Group (família Bush), Passport Capital, Omni
Partners e Odey Asset Management, segundo a Bloomberg. Salvo a ESG, os
fundos restantes são empresas com fundos inferiores a 5.000 mil milhões de
dólares, embora não seja de excluir a existência de outros fundos não
identificados pela Bloomberg. O importante é que uma aposta firme na
desvalorização de um tipo de câmbio parece uma extravagância, salvo se for
de um investidor nessa Bolsa que sabe quando se deve retirar. Nesse caso,
com pouco dinheiro pode-se fazer uma aposta dezenas de vezes mais elevada
e aí sim, tem-se êxito, o apostador ganha muito dinheiro (ver o filme A Grande
Aposta). O custo da aposta é pago pelo país cuja moeda e bolsa são atacadas,
tal como o fez o especulador George Soros na chamada quarta-feira negra,
quando colocou este problema ao Banco de Inglaterra. Parece ser este o
problema chinês.
No quadro da internacionalização do yuan emitiram-se em 2013, em Londres,
títulos em yuans (ver Ugarteche y Noyola, 19/1/14, “La City de Londres, capital
global del yuan”, http://www.alainet.org/es/active/70610#sthash.3gRelkiP.dpuf).
Com o yuan instalado no mercado de Londres, a abertura da Bolsa deu asas
ao mecado cambial ali baseado. A única coisa que faltava era o compromisso
da China de que liberalizaria todo o seu mercado cambial.
Para que isso ocorresse, a China pôs como condição que a sua moeda
ingressasse no cabaz de moedas do FMI. Como a 5ª moeda a integrar o a
Reserva Internacional do FMI, o yuan obteve a bênção para operar livremente
nos mercados de cambiais internacionais, último requisito para ser considerado
moeda de reserva. Assim, em 30 de Novembro de 2015 o FMI aceitou o yuan
no seu cabaz de moedas, juntando-se ao dólar, ao yen, ao euro e à libra
esterlina. Juntamente com isso, em 18 de Dezembro o Congresso dos Estados
Unidos aprovou a reforma do sistema de votação do FMI, o que será talvez a
mais importante reforma do FMI desde a sua criação. No novo cabaz de
moedas o yuan representará 11% do seu total, ficando em terceiro lugar, logo a
seguir ao dólar e ao euro. O novo cabaz de moeda entrará em vigora 1 de
Outubro de 2016 (ver quadro). Os grandes perdedores nesta reforma do
sistema de quotas do FMI são os países europeus, com excepção de Espanha,
o Japão continuará com o segundo lugar, enquanto a China será o terceiro país
com mais votos, o Brasil sobe quatro posições e a Índia e a Rússia
conseguiram entrar na lista dos dez mais influentes. Ressalte-se que os EUA
mantêm o direito de veto.
As condições estabelecidas pelo FMI para que o yuan fosse uma moeda de
reserva foram:
1) A abertura dos seus mercados interbancários e de divisas (desaparecendo a
divisão on-shore/off-shore e a faixa de flutuação) às instituições financeiras
internacionais;
2) Aperfeiçoamento da estatística sobre reserva de divisas;
3) Uma flexibilização do tipo de câmbio para que as forças do mercado o
possam influenciar.
Estas condições foram aceites e assinadas em 30 de Novembro passado e
ratificadas quando o Congresso norte-americano aceitou a mudança do
sistema de votação em Dezembro último. Por estranho que pareça, o impacto
cambial desta decisão foi a depreciação do yuan, o que em condições normais
seria totalmente ilógico: a «moeda do povo» passou de 6,40 yuans por dólar
em Agosto a quase 6,60 em finais de Dezembro. O fortalecimento do dólar e os
repetidos ataques para afundar as moedas emergentes teve como resultado
que no ano de 2015 o yuan desvaloriza 6,82%, a rupia 8,97%, o rublo 10,78%,
o rand (África do Sul) 43,67% e o real 54,08%.
O anúncio da subida da taxa de juro pelo FED em 17 de Dezembro de 2015
teve um efeito imediato nas bolsas americanas, tal como na Europa e América
Latina e não aconteceu tanto assim na China, na Coreia, na Índia e outros
países da Ásia, onde o efeito se duas semanas antes do final do ano.
No entanto, esta aposta que estava preparada para uma grande queda do yuan
e impedir até a sua entrada no cabaz de moedas do FMI conseguiu reverter.
Crispin Odey, que controla a Direcção da Odey Asset management, disse em
Setembro de 2015 que «o yuan deveria cair pelo menos 30%» (Bloomberg,
«Hedge Fund That Called Subprime Crisis Urge 50% Yuan Drop»). Mark Hart
de Corriente Advisors aposta contra o yuan e disse que devia desvalorizar
50%, de acordo com a mesma nota.
O custo para a China da internacionalização do yuan é ter colocado o valor da
sua moeda nas mãos de especuladores que tudo farão para impedir que o
yuan continue a avançar no seu papel de moeda de reserva. Vistos os
números, a imprensa está a fazer muito ruído, se bem que sejam mais as
vozes que as nozes, apesar da perda de 5% das suas reservas ter sido uma
inversão da tendência, com o objectivo de defender o yuan, pelo que poderá
dizer-se que foi de operação ganha.
Seria bom que alguém no Banco Popular da China estudasse como, em 1945,
os Estados Unidos ganharam para o dólar o estatuto de moeda dominante e
eliminaram a zona esterlina e o papel da libra. No final da guerra, obrigaram-na
a abrir a conta de capitais e, quando as reservas internacionais estavam
dizimadas, em Janeiro de 1946, teve que voltar a fechar a conta. Então, a libra
já não contava como moeda de reserva. Tudo isto está detalhadamente
descrito no livro The Battle for Bretton Woods, de Ben Steil. Há que recordar
que se destrói mais valor numa desvalorização do que num campo de guerra, o
que pode ser comprovado com os ataques ao rublo, ao real e ao rand sulafricano
nos últimos dezoito meses.
Nota:
[1] RENMINBI ASCENDING How China’s Currency Impacts Global Markets,
Foreign Policy, and Transatlantic Financial Regulation, Atlantic Council, City of
London, Thomosn Reuters, Standard and Chartered, 2015. – Veja mais em:
http://www.alainet.org/es/articulo/174947#_ftn1
*Oscar Ugarteche, Instituto de Investigações Económicas UNAM,
SNI/Conacyt. Coordenador do Observatório Económico de América Latina,
Obela.org.
Jorge Arturo Luna é colaborador de Obela
Este texto foi publicado em http://www.alainet.org/es/articulo/174947.
Tradução de José Paulo Gascão
Versão em Português no Diario.info
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- Naldo
- Ex-diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e ex-presidente da União da Juventude Socialista (UJS) de Alagoas. Atual militante e presidente do Comitê Municipal de Maceió do Partido Comunista do Brasil, PCdoB.
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