sábado, 23 de abril de 2011

Impasses e alternativas ao desenvolvimento brasileiro


Com a finalidade de debater os obstáculos para um novo projeto nacional de desenvolvimento, pesquisadores da Fundação Maurício Grabois reuniram-se na sexta feira (15). Debateram questões sobre a crise capitalista global e a evolução do desenvolvimento brasileiro, Lecio Morais, mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB) e assessor da liderança do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) na Câmara dos Deputados; Sérgio Barroso, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp) e diretor de Estudos e Pesquisa da Fundação Maurício Grabois; Renildo Souza, doutor em Economia (UFBA) e da Direção Nacional do PCdoB; e Dilermando Toni, jornalista e a Direção Nacional do PCdoB.

Dilermando Toni, Sérgio Barroso, Lécio Morais e Renildo Souza

Abrindo a reunião e observando o estágio ao desenvolvimento no Brasil, Barroso disse que os principais temas em foco correlacionam a crítica do estorvo (política macroeconômica) de um modelo econômico vigente caracterizado pelo “hibridismo” ou de “dualidade”, com a reemergência da problemática da inflação e do câmbio; onde os êxitos alcançados nos dois mandatos de Lula não conseguem esconder a deterioração crescente desde 2008: desindustrialização e rombo nas transações correntes.

Iniciando, Dilermando Toni fez um relato sobre a situação da economia brasileira nos marcos da crise econômica global. Segundo ele, o Brasil, do ponto de vista econômico, passa por uma fase de transição, para e passo com o que ocorre em escala mundial, um cenário que mostra a rápida ascensão da China e o lento declínio dos Estados Unidos. O país, registrou Dilermando Toni, estaria passando de uma economia estreitamente ligada ao ocidente — Estados Unidos e Europa — para vínculos mais estreitos com a Ásia, especialmente a China. A visita da presidenta Dilma Rousseff ao gigante emergente asiático e a reunião dos Bric seriam elementos que aceleraram essa nova configuração.

É uma nova realidade, enfatizou Dilermando Toni, com enormes conseqüências internas. Em seu entender, há um novo “engate” internacional da economia brasileira, agora com países em desenvolvimento e mais distante do capitalismo desenvolvido das nações imperialistas. Além dos asiáticos, destacou, o Brasil se aproxima de países da América latina, especialmente da Argentina. Com essa nova configuração, emerge um bloco com papel de destaque na economia mundial. Dilermando Toni ilustrou a constatação com dados sobre o comércio bilateral entre Brasil e China, da ordem de US$ 55 bilhões no período mais recente, com saldo brasileiro de US$ 5 bilhões, além dos investimentos pesados no país pelo gigante asiático.

Segundo Dilermando Toni, essa dinâmica traz como resultado a reprimarização da balança comercial brasileira. Ele lembrou as importantíssimas descobertas do pré-sal para indagar sobre a resultante desse processo. Segundo suas considerações, o pré-sal implica em mudanças no parque industrial brasileiro e aponta para o dilema sobre o futuro do modelo econômico: será uma grande potência energética ou fornecedor de produtos primários?

Assim – diz Dilermando -, ressurge um fenômeno novo, a inflação, devido à especulação com os preços das commodities e do petróleo nos mercados futuros. O país superou bem a crise, elegeu Dilma Roussef para a Presidência da República com uma base ampla, tem a perspectiva de iniciar brevemente a produção do pré-sal, apresenta uma safra recorde, mas se vê diante de ameaças inflacionárias, da valorização cambial e dos crescentes déficits nas contas correntes.

A partir dessa explanação, os demais pesquisadores iniciaram o debate. Lécio Morais disse que o Brasil enfrenta o grave problema da exportação da inflação pelos países centrais. No caso do Brasil, a inflação importada pela condição de grande exportador de alimentos serviu de gatilho para outras pressões inflacionárias. Além disso, a política de juro zero do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, e a redução das taxas na Europa impulsionam o fluxo de dinheiro de suas economias para a busca de maiores retornos. Esse fluxo está acelerando a inflação e apreciando as moedas dos países emergentes. 

Para Morais, a macroeconomia brasileira, principalmente a política monetária, fermenta em contradições. O câmbio sobrevalorizado que ajuda a controlar os preços (ao baratear importações), transfere vendas e empregos para o exterior. Controlar o câmbio sem gerar pressão inflacionária extra implicaria em esfriar simultaneamente a demanda interna, que não contaria mais com a válvula de escape das importações baratas. Mas se isso for feito pelo recurso dos juros altos, a atratividade brasileira aos capitais especulativos aumentaria, pressionando de novo a variável cambial.

Lécio Morais disse que o preço de um eventual descarrilamento terá de ser suportado pelo Banco Central (BC), que pratica hedge (proteção) nas operações privadas de cobertura de riscos de variações, no mercado internacional, de taxas de juros, de paridade entre moedas e de preços de mercadorias. Outro problema é a acumulação de reservas cambiais, que representam um alto custo fiscal. Para Moarais, essas e outras contradições se apresentam como um dilema de difícil solução. A atração de capitais torna-se dramática quando conjugada com a política de juros altos a pretexto de enfrentar a inflação. 

Ele lembrou a frase famosa do ex-ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen, segundo a qual "se a inflação aleija, o câmbio mata". O componente principal da inflação são os preços das commodities, conjugados com fatores internos como a distribuição de renda, que trouxe para o mundo do consumo uma massa considerável da população. Quando esses dois elementos se juntam, o resultado é um surto de alta dos preços. A elevação da taxa de juros ataca de imediato a inflação interna, reduzindo a demanda e causando perdas na renda do trabalho, mas, ao mesmo tempo, eleva a valorização do real.

Em síntese: o juro elevado combate a inflação com eficiência, mas mata a indústria nacional. A questão é saber o grau de influência da inflação externa, que não está ao alcance da política monetária brasileira. É um dilema, concluiu Lécio Morais, que exige examinar quais podem ser as medidas alternativas, levando-se em consideração a correlação de forças políticas.

Renildo Souza falou em seguida, iniciando a intervenção com uma menção ao predomínio da visão neocolonial do mundo financeiro, que advoga a tese de menos Estado, menos regulação e mais mercado. Segundo ele, essa concepção propagou a falsa idéia de que a estabilidade monetária geraria o crescimento da economia, abrindo mão de políticas desenvolvimentistas. Renildo Souza lembrou que essas versões ainda hoje são amplamente divulgadas pela mídia, como se elas bastassem para uma orientação estratégica para o país. A relação entre Estado e mercado e o tipo de inserção do Brasil no mercado internacional são os elementos que constituem o pano de fundo no debate sobre os rumos da economia brasileira, segundo ele.

Os aplausos recebidos pela presidenta Dilma Rousseff dos setores neoliberais, especialmente da grande mídia, destacou Renildo Souza, simulam, apesar de não ter resultado concreto, uma vitória política das forças conservadoras. Para ele, o dilema se apresenta com proporções ainda maiores quando se olha o cenário que compõe as dificuldades enfrentadas pelo país. Há problemas sobrepostos que estão dividindo e dilacerando o governo. Segundo Renildo Souza, há indícios de que, com apoio da mídia, o ministro-chefe da Casa-Civil, Antônio Palocci — o conhecido ex-ministro da Fazenda fortemente vinculado ao sistema financeiro —, está mais forte agora do que esteve no governo passado.

Outro desafio de grande importância, disse, é político. Em sua opinião, na se deve ter, no debate, posições estereotipadas, que conduziriam ao isolamento. Para Renildo Souza, é preciso buscar proposições que saiam da perplexidade arregimentando forças aliadas. Ele também enfatizou aspectos conjunturais, destacando a realidade da economia mundial que beneficiou o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva com um período de crescimento, sobretudo pelo efeito China, e que agora, com a crise, castiga o governo da presidenta Dilma Rousseff. Segundo o economista, esse novo cenário força o governo a enfrentar dilemas que antes podiam ser adiados. 

Mas, ressaltou Renildo Souza, os problemas inflacionários e cambiais não podem ser enfrentados por apenas um país. Como fenômeno internacional, eles exigem visões estratégicas e articulações políticas arrojadas. Segundo ele, existem a nova realidade dos Bric, uma alternativa à pressão dos países ricos. Além disso, o Brasil é beneficiado pelo crescimento e pela relativa baixa do índice de desemprego. Para Renildo Souza, são dados que contam na resistência à ofensiva política dos setores conservadores. 

Sérgio Barroso encerrou as intervenções valorizando a presença dos debatedores, afirmando ser aquela uma primeira reunião nesses moldes de pesquisadores da Fundação Maurício Grabois, que visa atualização e uma sistematização dos assuntos centrais que orbitam em torno da questão fundamental do desenvolvimento econômico-social. 

Para ele, na verdade, a transição existente diz respeito “à saída do modelo de uma economia mundial que fundava seu dinamismo naquilo que se convencionou chamar de modelo ‘sinoamericano’, para uma economia global que passa a ter um outro pólo – inédito ao menos desde o pós-segunda guerra mundial -, a partir do início dos anos 2000 -, onde os chamados países emergentes é quem são o centro cíclico do crescimento econômico. “Esse policentrismo atual se assemelha ao do final do século XIX e agora tem como epicentro, visivelmente, o declínio da potência imperialista”. As turbulências enfrentadas por aquele país, sua graves interferências na periferia do sistema ainda se apresentam como interrogações, do ponto de vista das conseqüências para a economia global - “onde se afirma a exuberância chinesa”, enfatizou.

No Brasil, conjunturalmente, o desafio é sair da armadilha inflação-câmbio. Para Barroso, “o nosso norte deve ser buscar as conexões ao Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, recentemente indicado pelo PCdoB.

A reunião concluiu pela importância da elaboração de um texto coletivo abordando as deficiências do “modelo” chamado de “socialdesenvolvimentismo” pelo ministro Mantega, nos marcos das cautelas apontadas por Renildo Souza, e uma nova argumentação em torno das alternativas para o avanço da política econômica do governo Dilma Rousseff.

(Colaborou, Sérgio Barroso)


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Ex-diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e ex-presidente da União da Juventude Socialista (UJS) de Alagoas. Atual militante e presidente do Comitê Municipal de Maceió do Partido Comunista do Brasil, PCdoB.
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